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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Domingo no parque

O menino branco cujo corte de cabelo revelava seu sangue judaico parecia feliz, apesar de sozinho. A bola era suficiente para ele. Apesar do parque lotado, graças ao ensolarado domingo, o garoto, mesmo só, aparentava estar perfeitamente acompanhado. Foi quando ele deixou a pelota escapar de seu até então invejável controle.

Como um atacante que surge na cara do gol sem os zagueiros notarem, apareceu outro menino, este de pele escura, com pelo menos quatro anos a menos que o protagonista de minha observação até agora. Sem pensar duas vezes, chutou a bola para longe.

A família do segundo garoto, como eu, olhou a cena com um ar de curiosidade pelo o que estava por vir. A mãe, aliás, já preparava uma sonora bronca para cima do menino levado que, em vez de devolver a redonda, preferiu entrar na brincadeira com uma bica para longe.

O garoto branco, sem entender, ficou parado. O mulato saiu correndo atrás da bola, deu meia volta com ela nos pés e a devolveu ao dono. Não satisfeito, continuou em alta velocidade com a finalidade de, desta vez, fazer uma digna roubada de bola. Não conseguiu. Acabou levando um digno drible da vaca.

O mais velho, porém, não empinou o nariz. Após o drible, que mostrou de vez a todos que ele levava jeito pra coisa, devolveu a bola para o mais novo. Ali estava fechado um pacto: os dois estavam no mesmo time.

E assim ficaram por uns bons 30 minutos, fazendo um jogo inesquecível, fruto somente de suas cabeças juvenis, cheias de imaginação e desapego com a realidade monótona. Passavam por marcadores invisíveis, faziam tabelas desviando das cestas de piquenique e finalizavam no vão existente embaixo dos bancos.

Em cima de um desses bancos, estava eu, que acabara de ser notado por um dos craques daquela tarde no parque. Foi o mais velho que notou, com uma cara ligeiramente envergonhada. Talvez ele fosse velho demais para brincar com alguém tão novo e, afinal de contas, fazer jogadas no vazio. Talvez... ainda bem que ele pensou assim.

Continuou a jogar, agora olhando para mim após cada finalização. Buscava um sorriso, um novo membro no time ou talvez aplausos para que na brincadeira também houvesse a figura do torcedor. Dei um sorriso simpático, fiz um gesto assertivo com a cabeça e me levantei. Louco de arrependimento por não estar com minha câmera fotográfica, olhei para trás e marquei a cena daqueles dois garotos na memória.

Futebol tem dessas coisas.

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