Uma vez, no ano de 98 um menino apaixonado por futebol ligou a televisão. E, sem ter o que ver, sem uma bola a ser chutada de lá para cá e cansado de jogar videogame, dedicou poucos minutos de sua noite para ver a bola voar. Como todo bom boleiro e fã de Romário, não tinha intimidade com aqueles monstros com o dobro da altura do pequeno craque, à época, com a mania de meter gols, vários, para o time do menino.
Tão pequena quanto o ídolo, ficava a quadra na qual a bola ia de mão em mão. Deitado na cama, de frente para a televisão, o menino via dois números sem mesmo entender o que se passava: dois e três. Invertidos, dão o trinta e dois, que iam nas costas de um grandalhão absurdamente maior do que qualquer homem que o menino já vira. Anos mais tarde, já com mais idade, informações e gosto por basquete, soube que aquele era Karl Malone. O garrafão, para o ala-pivô do Utah Jazz, era home sweet home definitivamente. Ao lado do trinta e dois estava sempre um talzinho - pequeno que era perto dos outros: um americano chamado João, mais conhecido como Stockton. A bola ia dele para os outros voando, rápida e certeira. Armador, John pensava o jogo. Mas isso tudo o menino só soube mais tarde, anos mais tarde.
Do outro lado da quadra, os números dois e três não se invertiam. Ficavam em ordem e, unidos, formavam o vinte e três. Mas o menino, ainda com doze anos, não sabia claramente quem era o camisa vinte e três do Chicago Bulls. O que ele percebeu, já naquela noite, é que humano aquele sujeito não era. Negro de cem quilos, com um metro e noventa e oito centímetros de altura, vestido em vermelho e, às costas e em preto, os números dois e três. Espantava.
Do outro lado da quadra, os números dois e três não se invertiam. Ficavam em ordem e, unidos, formavam o vinte e três. Mas o menino, ainda com doze anos, não sabia claramente quem era o camisa vinte e três do Chicago Bulls. O que ele percebeu, já naquela noite, é que humano aquele sujeito não era. Negro de cem quilos, com um metro e noventa e oito centímetros de altura, vestido em vermelho e, às costas e em preto, os números dois e três. Espantava.
O relógio, com dois outros numerozinhos, o um e o zero, ditava a dramaticidade do fim do jogo. Era a final, entre Utah Jazz e Chicago Bulls, na temporada da NBA de 1998, no Delta Center, em Utah. Feito os dribles de Garrincha, que sempre corria para a direita, o último lance daquela partida terminaria com a bola indo das mãos do vinte e três do time vermelho para a cesta. Todos sabiam, os outros nove jogadores em quadra, os árbitros, a torcida sabia, que vibrava contra o monstro dos números irresistíveis: dois e três. Menos ele, o menino, que via tudo meio descrente, sem o interesse que a bola nos pés causa. Deitado, entediado.
Aí veio o momento. Bryon Russell, do Jazz, colou no E.T. de um metro e noventa e oito. Marcação homem-a-homem. "Defense, defense, defense"- gritava o Delta Center. A bola voou para as mãos do vinte e três de vermelho. Ele gingou feito Garrincha. Russell perdeu o equilíbrio, como um João, não o John, seu companheiro, mas como aqueles vários Joãos marcadores da bola nos pés. O vinte e três então arremessou, chutou, como um centroavante. O menino arregalou levemente os olhos ainda pensando: "O Romário podia fazer uns três no fim de semana, ia ser legal." Nessa viagem entre a bola que quica e a que rola, o Delta Center viu história. O menino também.
Foi assim, pensando em Romário, que conheci um marciano chamado Michael Jordan.
PS. Hoje à noite - outros tempos, com a camisa vinte e três do Bulls já devidamente aposentada -, jogam Miami Heat e Dallas Mavericks. Será o quinto jogo da série, que está empatada em dois a dois. Mais uma chance para nascer história. Tomara.
PS. Hoje à noite - outros tempos, com a camisa vinte e três do Bulls já devidamente aposentada -, jogam Miami Heat e Dallas Mavericks. Será o quinto jogo da série, que está empatada em dois a dois. Mais uma chance para nascer história. Tomara.
Gabriel, só tenho elogios. Eis que surge um cronista esportivo. Não um garoto, escrevendo por prazer. Um adulto. Com total ciência das palavras escolhidas. Parabéns.
ResponderExcluirSábia decisão de mudar o canal descompromissadamente...quanto mais fortuito o acontecimento, mais prazeroso se torna acreditar no acaso...excelente texto e as pessoas citadas sao inquestionavelmente merecedoras da homenagem...
ResponderExcluirrealmente ta habilidoso com as palavras!! parabéns!! teu texto tem ritmo e prende a atenção!! cedo ou tarde suas cronicas vao parar em algum jornal ou site de relevante importancia, acredite em vc amigo!! visitarei sempre que puder!!
ResponderExcluirSó uma palavra: excelente!!!
ResponderExcluirTa nos favoritos ja!
ResponderExcluirSensacional, cara!
ResponderExcluirParabéns e continua nessa que vai longe!
No começo desconfiei que NBA já tivesse saído de moda aqui no Brasil. Mas a repercussão dos textos de basquete mostra que eu estava redondamente enganado.
ResponderExcluirAs palavras do Tomás Ribeiro já diz tudo...
ResponderExcluirParabéns pelo texto Gabriel!
Um breve comentário. Esses caras não jogam basquete, é outro esporte. rs.
Abraço.
Tens futuro, garotão!
ResponderExcluirParabéns!
Abraços,
Aquiles
Cara, me identifiquei muito com o texto. Lembro dessa cesta do Jordan. Meu pai torcia sempre contra o “mito”, pois também não acreditava que ele fosse humano, também achava aquilo uma covardia. Malone era gigante e parecia que a hegemonia dos Bulls terminaria ali. A minha vibração irritou muito o meu velho, que saiu da sala da mesma forma que saía quando o Corinthians levava um gol. Por isso aquela cesta, no último instante, foi épica.
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